Um Cenário para o Brasil em 2009
por Aluisio Pampolha Bevilaqua - Cientista Político, Escritor e Editor do Jornal Inverta
Estamos em 2009, um ano decisivo na nova correlação de forças entre as classes sociais vigentes na sociedade brasileira. Um ano em que a abrangência dos efeitos da crise econômica mundial sobre o país será o grande divisor de águas e se refletirá na ação dos diversos segmentos sociais e partidos políticos, tendo em vista as eleições de 2010, para presidente da República, Congresso Nacional (Senado e Câmara dos Deputados) e respectivos governos e assembleias estaduais. Portanto, será um ano de luta pelo acúmulo de forças, através de ações que visem desgastar os adversários e conquistar aliados políticos, em especial, as massas trabalhadoras, visando o poder político do país.
Para se ter uma ideia mais precisa deste cenário político, deve-se tomar como ponto de partida os efeitos da crise mundial na economia e no tecido social, que não derivam apenas das tendências que decorrem da mesma, tais como, concentração de capital (fusões, aquisições e associações), a histórica tendência ao monopólio, a retração de crédito, a queda nos investimentos, a queda na produção, a falência das pequenas empresas, o desemprego, a queda no valor dos salários, a falência das pessoas físicas (redução do consumo) e tantas outras previsíveis no declínio de um ciclo econômico mundial, entrelaçado com a crise estrutural do sistema capitalista, mas, sobretudo, suas relações com a estrutura econômica brasileira. Outro fator importante é a subjetividade das classes e segmentos sociais em relação aos temas que resultam do processo - tais como desemprego, aumento da exploração dos trabalhadores, precarização do trabalho, fome, violência, concentração de renda e propriedade; falências, endividamento, carestia, etc. - e suas capacidades para irem às últimas consequências na solução dos problemas. Neste aspecto, deve-se ter por ponto de partida o resultado do processo eleitoral de 2008 das mais de 5 mil prefeituras, expressão sintética da correlação de forças das classes e extratos sociais, destacando-se seu domínio nas regiões, geopoliticamente, do país (capitais e regiões metropolitanas); e sobretudo, o grau de consciência das classes exploradas, organizações e vontade política para levar a cabo as soluções revolucionárias ou reacionárias.
O Cenário Econômico em 2009
Em termos do cenário econômico para 2009, considerando a estrutura historicamente dependente do Brasil em relação ao imperialismo, em especial dos EUA, seja financeiro (investimentos e crédito), industrial (que dominam os setores dinâmicos da economia) ou comercial (exportação e importação), como se pode comprovar a partir de dezembro 2008, já passou atingir fortemente a economia do país contrariamente ao discurso oficial do governo. Somente os “estados de São Paulo, Minas Gerais e Bahia puxaram a queda de 12,4% da indústria brasileira de novembro para dezembro; o comércio varejista, após dois meses de queda consecutiva registrou queda de -0,3%, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O setor de micro e pequenas empresas sofreu queda no comércio de -13,6% e na indústria de -10,3% em dezembro de 2008, como divulgou o SEBRAE (Serviço Brasileiro de Apoio à Pequena e Média Empresa). Segundo previu a Associação do Comércio Exterior Brasileiro (AEB) a balança comercial em 2009 aponta para uma queda de 17,6% nas exportações, que passarão de US$ 197,94 bilhões para cerca de US$ 163,15 bilhões. Os números projetam também uma retração de 15,7% para as importações (de US$ 173,20 bilhões para US$ 146,03 bilhões), resultando em queda de 30,8% no superávit comercial, que deverá cair de US$ 24,73 bilhões para US$ 17,12 bilhões este ano. O número de desempregados só em dezembro aumentou em 655 mil (1.542.245 demitidos e 887.299 contratações, segundo a Caged). Vê-se, pois, que a crise indica que jogará por terra o precário crescimento econômico dos últimos quatro anos do governo Lula.
Quem considerar o cerne da estrutura econômica brasileira, comprovará que o seu setor mais dinâmico é o das grandes empresas transnacionais vigentes nos vários ramos da produção e estas estão sob o domínio do capital estrangeiro, especialmente o estadunidense. Um estudo realizado pelo Instituto de Estudo para o Desenvolvimento Industrial (IEDI) – A Evolução da Estrutura Industrial, demonstra as mudanças no perfil da base produtiva no período de 1996 a 2006, já detectadas por muitos especialistas. Neste documento, com base na PIA de 2006, os setores voltados para as commodities se destacam:
“Em 1996 cinco principais setores industriais respondiam por mais da metade (51,8%) do valor de transformação industrial gerado pela indústria: fabricação de produtos alimentícios e bebidas (17,2%), fabricação de produtos químicos (12,7%), fabricação e montagem de veículos automotores, reboques e carrocerias (8,1%), fabricação de coque, refino de petróleo, elaboração de combustíveis nucleares e produção de álcool (7,0%) e fabricação de máquinas e equipamentos (6,8%). Dois dos cinco setores não eram de bens intermediários (veículos automotores e máquinas e equipamentos). Já em 2006 mais da metade da produção industrial (50,3%) se concentra em apenas quatro setores, sendo que três estão diretamente associados ao processamento de recursos naturais e apenas um (fabricação de produtos químicos) foge à regra, pois produz insumos elaborados e bens finais: fabricação de coque, refino de petróleo, elaboração de combustíveis nucleares e produção de álcool (16,5%), fabricação de produtos alimentícios e bebidas (16,0%), fabricação de produtos químicos (9,9%) e metalurgia básica (7,9%)”.
(...)
Em termos de concentração dos investimentos, de 1996 a 2006, os seis setores em que ocorreram aumentos na proporção de empresas investidoras foram, respectivamente: extração de petróleo e serviços relacionados (55,6% em 1996 e 69,1% em 2006), fabricação de material eletrônico e de aparelhos e equipamentos de comunicações (37,1% e 44,9%), fabricação de produtos do fumo (31,3% e 43,9%), metalurgia básica (29,5% e 41,6%), fabricação de artigos de borracha e plástico (34,3% e 38,9%) e fabricação e montagem de veículos automotores, reboques e carrocerias (35,4% e 38,5%). Do total investido em um ano, 70% se concentra em 8 setores. A partir de 2002 crescem os investimentos no setor de extração de minerais metálicos. Em relação à indústria de transformação, os setores que por 11 anos estiveram dentre os líderes em termos de investimento foram: fabricação de produtos alimentícios e bebidas, fabricação de coque, refino de petróleo, elaboração de combustíveis nucleares e produção de álcool, fabricação de produtos químicos, metalurgia básica e fabricação e montagem de veículos automotores, reboques e carrocerias (...)”.
Outro estudo apresentado por Antônio Corrêa de Lacerda -Empresas Transnacionais, Investimentos Diretos Estrangeiros e Exportações na Economia Brasileira na Década de noventa - indica que o “número de empresas com participação estrangeira no capital e estoque de IDE (US$ e R$; milhões e %), entre 31/12/1995 e 31/12/2000.” se desenvolveu da seguinte forma:
“Com base nestes dados, torna-se muito evidente a dependência estrutural da economia brasileira das empresas e dos investimentos imperialistas. Elas constituem o centro da estrutura dinâmica da economia nacional, e à sua volta orbitam milhares de pequenas, médias e até grandes empresas, portanto, se deixam de existir ou paralisam sua atividade por algum motivo, a maior parte das empresas satélites ficam sem razão de existir, supérfluas. Assim, se uma grande montadora de carros decresce ou paralisa a produção, ou mais grave ainda, encerra sua atividade no país, toda uma cadeia de empresas de autopeças (comércio, fabricação, financiamento, etc.) é afetada. Considerando que as pequenas empresas são, na maioria dos casos, de baixa composição orgânica de capital, então, o desemprego se apresentará muito além do esperado, surpreendendo aos que acreditam no discurso dos revendedores de carros, marqueteiros e governo”.
Este é apenas um exemplo dos mais visíveis do que ocorrerá em 2009, na medida em que a Chrysler, a General Motors e Ford, estão à beira da falência, como se pode notar pelo pedido de ajuda financeira de US$ 25 bilhões ao Congresso dos EUA, indicando que suas bancarrotas serão quase inevitáveis. Além disso, se a palavra do novo presidente eleito deste país merece consideração, lembremos que, em toda sua campanha, uma de suas promessas era trazer de volta as empresas para produzirem empregos dentro dos EUA, logo o pacote de ajuda a estas três grandes montadoras terá por base este compromisso das mesmas, o que significa, mais que paralisação ou retração, transferência das plantas industriais para aquele país. E não podemos duvidar disso, pois Barack Obama não tem outro caminho para cumprir a promessa de criar empregos nos EUA. E se isto for uma norma geral para todas as empresas estadunidenses, significará uma situação ainda mais complexa dos efeitos da crise no Brasil. Embora, como afirma o estudo do IEDI, “os ganhos de produtividade da indústria (163,9%) foram superiores aos de salário médio (85,9%) no período, os maiores ganhos de produtividade são registrados em setores produtores de commodities e, assim, as maiores diferenças ocorreram nesses setores”.
Outro fenômeno claro está na concentração do setor financeiro. A quebra dos bancos nos Estados Unidos, que provocou o movimento de fusão entre o Unibanco e o Itaú, a aquisição da Nossa Caixa pelo Banco do Brasil, os mais visíveis, também redundará em desemprego e novas condições de financiamento, aprofundando o monopólio e a imposição de juros extorsivos tanto às pessoas físicas (trabalhadores, funcionários, etc.), como jurídicas (pequenas empresas, agricultura, etc.), como já se teve uma pequena prévia neste final de ano de 2008. E neste contexto, é uma forte tendência à falência das pessoas físicas e jurídicas, hoje a inadimplência já bateu a casa dos 40% em alguns setores e tende a se agravar, o que indica que, ao contrário do discurso oficial, o mercado interno não salvará o país da crise econômica e, muito provavelmente, poderá sofrer uma forte retração, caindo o consumo produtivo e individual, como demonstra a queda na renda de 1,3%, neste ano. Este processo se refletirá com especial importância na agricultura que passará aos cultivos de exportação e importação de alimentos, restringindo ainda mais o cultivo doméstico de feijão, arroz, milho, etc., impulsionando a carestia dos preços e aumentando o número de pessoas com carência alimentar.
Como informou o Banco Central do Brasil, a evolução média diária nas concessões de crédito doméstico em outubro de 2008 (para pessoas físicas e jurídicas) recuou em 7,3% em relação a setembro, uma queda significativa. No caso das pessoas físicas, a contração foi mais expressiva (-7,7%) que das pessoas jurídicas (-7,1%). Esta queda no crédito abrangeu todos os setores, com exceção apenas para o cheque especial. No financiamento de automóveis, a queda chegou a 39,9%. No segmento de pessoa jurídica, a retração do crédito também foi generalizada. A menor queda (-2,1%) ocorreu na média diária das concessões na “conta garantida” (uma espécie de cheque especial para as empresas) e a maior em “repasses externos” (-38,7%). Acompanhando a contração do crédito, as condições de custo também sofreram uma deterioração importante, em função da alta taxa de spread. A elevação média foi de 2,5%, mas se observa uma assimetria nos dois segmentos. Enquanto a taxa de juros para pessoas físicas subiu 1,7 p.p, no segmento de pessoa jurídica o aumento foi de 3,3 p.p, reflexo da maior incerteza em relação à situação de liquidez e solvência das empresas, possivelmente em função das operações com derivativos cambiais.
Contudo, o que é mais significativo é o fato do governo continuar ofertando dólares e praticando taxas de juros altíssimas para segurar a dívida privada em dólares, que na maioria é das multinacionais estrangeiras. Este fato amplia imensamente a dívida pública estatal, que já bateu a casa de cerca de R$ 1,3 trilhões. Assim, alimenta as oligarquias financeiras nacionais e estrangeiras credoras da dívida pública e aprofunda ainda mais a dependência do país ao imperialismo e compromete sua soberania. Em linhas gerais, os 655 mil trabalhadores demitidos, mais que o dobro previsto para o mês de dezembro de 2008, foi apenas uma amostra do que acontecerá em 2009. A previsão de queda do PIB de 5,5% previstos em 2008 para apenas 1,7% em 2009, em constante reavaliação sempre estimada para baixo, indica a total incerteza o quão será golpeada a economia do país.
Naturalmente, este pequeno rascunho do provável cenário econômico deste ano pode se alterar muito e se apresentar mais radical em setores que ainda não se tem elementos mais concretos como, por exemplo, as manobras com as verbas do orçamento do governo federal, em relação ao PAC, saúde, educação, e tantos outros, ou qual o nível de comprometimento das empresas e bancos nesta orgia do capital financeiro embelezado por alguns sob a pomposa denominação de “Exuberância Irracional dos Mercados”. No entanto, o que é mais importante aqui é estabelecer a conexão entre o cenário econômico e o cenário político, ou seja, o manto político-ideológico que esconde a face oculta da luta de classes e frações de classe; seja no plano institucional, governamental, parlamentar e judicial; seja no plano não institucional que nestes tempos de democracia burguesa tem como expressão maior aquela denominada por Hegel de “sociedade civil”. Aqui de nada adiantam declarações ou campanhas em torno do ideal escatológico neoliberal em franca decomposição, do tipo a “luta contra o protecionismo” - como quer Lula - o importante é entender que a falência do neoliberalismo conduz, dentro do sistema, necessariamente, ao retorno do protecionismo ainda mais radical. Ele próprio cai em contradição, quando logo após discursar contra o protecionismo, “pede aos políticos dos países da América Latina que abandonem o dólar como padrão das trocas comerciais e instituam outra moeda”.
O Cenário Político em 2009
O resultado das eleições municipais em todo o país anunciou importantes modificações na correlação de forças entre as classes e segmentos de classes em luta pelo poder político dentro do sistema. O PT (Partido dos Trabalhadores), embora tenha perdido as eleições nas principais capitais do país, deslocando sua força mais para o norte e nordeste, conquistou cerca de dezesseis milhões de votos, elegeu prefeitos em seis capitais (Rio Branco, Porto Velho, Palmas, Recife, Fortaleza e Vitória) e ampliou o número de prefeituras sob seu comando (411 para 574) crescendo cerca de 36% nestas eleições. Entretanto, o partido que saiu mais fortalecido politicamente foi o PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro) - membro da base aliada do governo - e tende a desempenhar papel decisivo nas eleições presidenciais de 2010. Ele arrebatou mais de 17,8 milhões de votos, conquistou 1.211 prefeituras, dentre estas, 6 capitais importantes no país (Porto Alegre, Rio de Janeiro, Salvador, Goiânia, Campo Grande e Florianópolis), crescendo nestas eleições em 14%. Em termos gerais, todos os partidos da base aliada do governo saíram fortalecidos deste processo eleitoral: o PSB (Partido Socialista Brasileiro), além de dobrar o número de prefeituras (de 117 para 318), manteve três capitais sob seu comando (Belo Horizonte, João Pessoa e Boa Vista), crescendo em torno de 55%; o PTB (Partido Trabalhista Brasileiro) ganhou em duas capitais (Manaus e Belém) e conquistou 417 prefeituras; o PP (Partido Progressista), uma capital (Maceió) e 555 prefeituras; o PDT (Partido Democrático Trabalhista), uma capital (Macapá) e se manteve em cerca 352 prefeituras; o PV (Partido Verde) conquistou uma capital (Natal) e 77 prefeituras; o PCdoB (Partido Comunista do Brasil) também uma capital (Aracajú) e 42 prefeituras; e o PR (Partido Republicano) conquistou 383 prefeituras. No geral, a base aliada do governo (que ainda se compõe doPSC (Partido Social Cristão), PMN (Partido da Mobilização Nacional), PTC e PT do B) conquistou 4.001 prefeituras, ou seja, 71% do total; nas cidades com mais de 200 mil eleitores 105, cerca de 79% destas.
Já a oposição sofreu uma acachapante derrota e viu seu poder de fogo declinar vertiginosamente. O PSDB (Partido da Social-Democracia Brasileira) conquistou apenas quatro capitais (Curitiba, Teresina, São Luís e Cuiabá), também derrotado nas principais capitais do país, entre as 800 prefeituras mantidas neste pleito. Em relação a 2004, perdeu 70 prefeituras, um declínio de 10%, seu tiro de misericórdia foi o apoio a Gilberto Kassab do DEM (Democratas), vitorioso em São Paulo. O DEM embora tenha conquistado São Paulo (única capital) em aliança com o PSDB, sofreu uma brusca queda de 38% em relação às eleições passadas, perdeu 295, se mantendo em apenas 494 prefeituras. Além disso, sofreu três derrotas históricas: Salvador, Florianópolis e Rio de Janeiro. Entretanto, o partido mais derrotado dentro do núcleo da oposição foi o PPS (Partido Popular Socialista) (ex-PCB), que se manteve apenas em 132 prefeituras perdendo 176 do total de 308 que havia conquistado em 2004, isto é, um tombo de 57%. Os demais partidos periféricos e oscilantes entre oposição e situação (PTN, PSL, PSDC, PRTB, PRP, PRB e PHS), todos somados apenas conquistaram 133 prefeituras, nenhuma delas decisivas no processo nacional.
Contudo, o que mais chamou atenção neste pleito foi o desempenho da oposição considerada de esquerda: o PSOL (Partido Socialismo e Liberdade) não conquistou nenhuma prefeitura, elegendo apenas 25 vereadores em todo o país; o PCB (Partido Comunista Brasileiro) idem, apenas elegeu 13 vereadores, claro que obtiveram um desempenho menos sofrível que o PSTU (Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado) e o PCO (Partido da Causa Operária), que ficaram no zero tanto para prefeitura, como para vereadores. Aqui é importante uma reflexão, pois tudo indica que a radicalização do discurso de oposição, seja pela direita neoliberal, seja pela esquerda eleitoral, parece ter efeito contrário junto ao eleitorado nacional. Por um lado, porque a direita neoliberal, depois do esquartejamento que fez do país e da situação de miséria, desemprego e violência a que submeteu o povo, parece não encontrar mais um caminho para iludir as massas populares. O discurso da privatização, do mercado e da globalização, como caminho para o primeiro mundo e modernização, se esvaiu no buraco das crises cíclicas do capitalismo, na bancarrota do plano real, na corrupção e entreguismo. As massas aprenderam, por sua própria experiência, o que é o neoliberalismo durante o período de governo do PSDB e aliados.
Já o fracasso da esquerda eleitoral, não existe outra explicação para seu desempenho tão sofrível que o descrédito das massas populares em relação ao seu discurso de transformação radical através das eleições burguesas. Aqui talvez seja crível imaginar que este descrédito tenha por base também a própria experiência das massas com o governo do PT e aliados, que quando na oposição fazia o mesmo tipo de discurso radical e à medida que chega ao governo não teve alternativa que oferecer às massas “bolsas-família”, “bolsas-escola”, ou seja, “políticas compensatórias” e demais métodos de amaciar e embelezar a exploração brutal e perversa do sistema capitalista e sua política econômica neoliberal. Neste aspecto, o que vigora é o adágio popular religioso: “pouco com deus é muito”. Pois o que esperar realmente dos grupos políticos que pensam tomar o poder político da sociedade e fazer uma revolução social através do voto? Naturalmente, as massas populares, em especial o operário consciente, já sabem: “a oposição da esquerda eleitoral de hoje é o PT de ontem e o PT de hoje é a esquerda eleitoral de amanhã”. Todos acabarão na bolsa-família. O mesmo se aplica para suas iniciativas em torno do movimento operário e popular.
Mas também neste ponto é necessário não perder de vista os limites da consciência das massas em relação ao próprio PT e o governo Lula e base aliada. Pois o que se pode observar, diante do resultado das eleições, é que o núcleo original que impulsionou a ascensão do governo petista (PT, PSB, PC do B e PDT) não passou de 32% do total das 4.001 prefeituras conquistadas por toda a base aliada - PMDB, PP, PTB, PR, PTdoB, PMN, PV, PTC, PSC, juntos conquistaram 2.715 prefeituras, ou seja, cerca 68% destas. E ainda que a vitória expressiva da base aliada do governo, conhecendo as origens históricas de cada uma destas organizações partidárias, suas mudanças de composição e posição política ideológica no curso destes anos, significa na verdade uma redoma de vidro capaz de se estilhaçar na primeira pedrada. Isto foi muito visível na luta interna da base aliada - PMDB, PT e PcdoB - na eleição do Senado e da Câmara de Deputados no Congresso Nacional. O PMDB passou o rolo compressor na eleição da presidência da Câmara, elegendo Michel Temer, e do Senado federal, elegendo pela terceira vez José Sarney. Esta progressiva imposição de hegemonia do PMDB sobre o governo Lula pode ser a luz no fim do túnel para a construção de uma candidatura de negociação entre PMDB e PT ou entre PMDB e PSDB. Num caso e no outro, o PT terá muita dificuldade de emplacar um sucessor para Lula, ainda que pese sua popularidade quase unânime.
O PT conta com toda uma rede social, que envolve o movimento operário (CUT – Central Única dos Trabalhadores), o movimento popular (CMP – Central dos Movimentos Populares) e movimento sem-terra (MST), que são pêndulos na correlação de forças em torno das eleições presidenciais. Mas a tática da oposição de eliminar por antecipação os potenciais candidatos à sucessão de Lula do PT (José Dirceu, José Genuíno, Antonio Palocci, Marta Suplicy, etc.) “deixaram Lula e o PT de Dilma Rousseff nas mãos”. É também visível que a administração de Lula agrada ao imperialismo e às oligarquias burguesas nacionais subimperialistas. Mas também é fato que o PT e sua base aliada original, ao contrário da situação de outros governos na América Latina, que chegaram ao poder político, em oposição às oligarquias burguesas e a política neoliberal, pelo voto após sublevações, levantes populares e revolucionários - como é o caso de Hugo Chávez na Venezuela, Evo Morales na Bolívia, Daniel Ortega na Nicarágua e mesmo Rafael Correa no Equador -, não se aplica para o Brasil. Portanto, pensar na possibilidade de um plebiscito nacional para uma emenda constitucional que aprove a reeleição de Lula, parece ser algo muito improvável: “o PT se constituiu governo pelas regras constitucionais e cairá por elas”. Contudo, não se pode descartar a tendência pelo continuísmo petista, pois na história brasileira há precedentes de tal fenômeno como demonstra o caso de Getúlio Vargas. Entretanto, o que resta saber é até que ponto as massas operárias e populares embarcariam numa campanha desta.
O Cenário da Luta de Classes em 2009
Finalmente, resta pensar em mais quatro fatores que se manifestarão neste ano de 2009: a ascensão da luta econômica dos trabalhadores, devido aos efeitos da crise no país e à ação da oposição da esquerda eleitoral e da direita neoliberal, derrotada nas eleições, no movimento social, e a luta política dentro do governo; e o grau de controle destas forças políticas sob a classe operária e o povo pobre. Neste aspecto, considerando que a luta contra o desemprego, a fome e a carestia volta a condensar o sentimento da classe trabalhadora diante dos efeitos da crise, e ainda que o governo terá pouca margem de manobra orçamentária e pode até mesmo chegar à paralisação de programas sociais e compensatórios, é muito provável que se assista neste 2009 a uma nova ascensão do movimento sindical e popular impulsionados, por um lado, pela esquerda eleitoral e as lutas por espaço político, no governo, entre as forças que o compõem e, por outro, pela mobilização do empresariado, latifundiários e banqueiros da direita neoliberal. As 655 mil demissões no apagar das luzes de 2008 são o toque de alerta e preparação para o combate entre as classes. Do lado da classe operária, a luta será pela estabilidade no emprego, contra o desemprego que tende a crescer, pela manutenção dos salários e diminuição da jornada de trabalho. Por parte dos patrões, a luta é contra o governo, pelo rebaixamento das taxas de juros, impostos e o fim do que resta da legislação trabalhista, contra as rebeliões e greves; e por parte das oligarquias financeiras, a luta pela manutenção das taxas de juros, segurança e garantia do pagamento da dívida pública.
Mas entre as massas trabalhadoras, a crescente alta nos preços da cesta básica, em especial, nos gêneros de primeira necessidade, como feijão, arroz, milho, farinha e etc., também incendiarão o cenário. Durante o ano de 2008, a cesta básica acumulou alta de 29,31%, como divulgou o DIEESE (Departamento Intersindical de Estudos Sócio-Econômicos e Estatísticos). Em dezembro de 2008, exigia 115 horas e 44 minutos da jornada de trabalho, em dezembro de 2007, era de 106 horas e 36 minutos, com os descontos da previdência, tendo por base o salário mínimo de R$ 415,00, representa 57,18%, em dezembro de 2007, representava 52, 88%. Com o resultado deste binômio explosivo de carestia de preços da cesta básica e o desemprego, é natural pensar no aumento, também, da fome entre as camadas mais atingidas pela crise e opressão do sistema. Assim, tanto crescerá o desespero dos pais e mães de família, cujo desemprego é latente, como nos que se encontram desempregados. Dessa forma, a perversidade da crise será ainda maior, pois é justamente neste momento que os empréstimos e créditos são necessários, o medo da inadimplência faz com que os bancos e financeiras fechem as torneiras e não permitam outro recurso aos necessitados que o caminho da sobrevivência no mercado informal ou a expropriação dos que têm alguma reserva, aumentando vertiginosamente a violência.
E quando chegar a este nível de tensão, um aumento nos preços dos transportes coletivos ou dos aluguéis, da cesta básica, uma ação violenta da polícia ou um escândalo de corrupção no governo ou das oligarquias podem provocar uma erupção social, fazendo crescer o movimento das ocupações de prédios, terras, fábricas e até saques a supermercados pela sobrevivência. Poderá ainda desenvolver-se um movimento migratório da classe operária para os locais onde o funcionamento de empresas industriais, comerciais e agrícolas continue existir. O governo e sistema, diante deste processo, acentuarão o seu poder de controle sob as massas e seus protestos, os partidos da esquerda eleitoral buscarão acumular forças com base nestas contradições, formando par com os comunistas revolucionários em uma aliança tática. Neste contexto, o governo lançará mão de suas estruturas de cooptação e peleguismo para conter o avanço das lutas. Mas a capacidade limitada do governo diante da crise poderá resultar em desgaste político de suas organizações de controle das lutas econômicas (CUT, CMP, MST, etc.). Então, o que virá em seguida é o aparelho de repressão mesmo, com as informações colhidas por seus espias e infiltrados nos movimentos e organizações de esquerda, podendo se desenvolver uma caça às bruxas sem precedentes no governo Lula.
Neste ponto, o atrelamento e a manipulação das organizações sindicais e movimentos sociais podem ser rompidos pela ação revolucionária combinada ao desespero das massas, dando curso a novas formas de organização e lutas, num sentido muito mais definido pelo socialismo e revolucionário, tais como comitês de luta e autodefesa, rompendo com o reformismo e a manipulação do peleguismo chapa branca (governo e base aliada), chapa amarela (neoliberal) e cor de rosa (reformismo social-democrata e esquerdista). As oligarquias em oposição ao governo também tentarão tirar proveito destas contradições e usar o povo, o que exigirá uma luta sem quartéis da classe operária contra os agentes do governo, das oligarquias e do imperialismo. Sem dúvida muita coisa poderá mudar na conjuntura em 2009, inclusive no comportamento do imperialismo norte-americano, dada a situação difícil em que está mergulhado e à eleição de Obama. Esta reviravolta aparente nos EUA sopra como última instância da sua hegemonia mundial e o alvorecer de uma nova ascensão da luta revolucionária em toda a América Latina, como já indicou a vitória do Sim, pela reeleição de Hugo Chávez na Venezuela.
Para os comunistas revolucionários, tendo em vista as tendências que se esboçam no cenário político do Brasil em 2009, sua principal tarefa é aprofundar o conhecimento do desenvolvimento da luta para através dela fazer avançar o movimento para uma verdadeira ruptura social com o sistema capitalista. Travar a luta ideológica e econômica prática junto ao movimento operário e popular e se preparar política, organizativa e economicamente para atender a emergência de novos quadros revolucionários e da luta de classes. Avançar na formação e preparação dos revolucionários, na solidariedade da luta nacional com a luta continental e mundial dos trabalhadores e revolucionários. É um momento propício para expandir as organizações operárias e populares, o Movimento Continental Bolivariano e o Partido Comunista Marxista-Leninista. Difundir o seu programa de emergência para o povo brasileiro como solução para a crise do capitalismo e caminho para a revolução verdadeiramente socialista no Brasil.
Nossas palavras de ordem são: o Povo Trabalhador e o Brasil não podem pagar pela orgia das oligarquias burguesas!
Contra o Desemprego, a Fome e a Carestia!
Pela Moradia e Terra! Viva a Revolução Comunista no Brasil!
Referências:
FEIJÓ, Carmem Aparecida e DE CARVALHO, Paulo Gonzaga M. 2008, A Evolução da Estrutura Industrial, disponível em www.iedi.org.br, acesso em 26/02/2009.
SÁ, Mauro Thury de Viera, 2007, O Problema do Preço Relativo do Investimento Fixo no Brasil , disponível em: www.iedi.org.br, acesso em 26/02/2009.
INSTITUTO DE ESTUDOS PARA O DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL, 2008, Crédito e Juros, Efeitos da Crise: Contração e Encarecimento do Crédito, disponível em www.iedi.org.br, acesso em 26/02/2009.
LACERDA, Antônio Corrêa de Lacerda, Empresas Transnacionais, Investimentos Diretos Estrangeiros e Exportações na Economia Brasileira na Década de Noventa, disponível em www.ie.ufu.br, acesso em 26/02/2009.
Redação 24HorasNews , 2008 PMDB conquista o maior número de prefeituras no Brasil em 2008, disponível em www.24horasnews.com.br/index, acesso em 26/02/2009.
G1, 2008 PMDB já elegeu 1200 prefeitos no país, disponível em g1.globo.com/Eleicoes2008, acesso em 26/02/2009.
REDAÇÃO Correio do Brasil, Eleições desenham novo mapa político, disponível em www.jusbrasil.com.br/politica, acesso em 26/02/2009.
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