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Você está aqui: Página Inicial / Revista / Versão impressa / Número 4 - Setembro de 2009 / A Crise Econômica e Social: Característica Intrínseca do Capitalismo

A Crise Econômica e Social: Característica Intrínseca do Capitalismo

O artigo mostra que a crise econômica atual é intrínseca ao capitalismo, afastando as teorias que tentam afirmar uma natureza eventual e passageira das mesmas, além de traçar um extenso histórico de caos financeiro. No texto, Keynes é duramente criticado, tanto por ignorar as classes sociais em sua análise, como por explicar a crise através de um suposto “hiato na demanda de mercadorias”, ignorando também o problema da composição orgânica do capital.
A Crise Econômica e Social: Característica Intrínseca do Capitalismo

Morte ao Imperialismo Mundial - D. Moor/1919

 

por Instituto Cultural Karl Marx

A implantação do capitalismo em concomitância com a revolução industrial substituiu as velhas instituições feudais, instaurando o atual aparelho estatal burguês encarregado da defesa dos interesses da nova classe dominante: a burguesia. Baseado na propriedade privada dos meios de produção e na expropriação do excedente econômico gerado pelo trabalho (mais valia), esse sistema, que enfatiza o individualismo, caracteriza-se pela competição entre pessoas, empresas e grupos econômicos que objetivam a obtenção do lucro máximo.

As condições fundamentais de funcionamento do capitalismo impossibilitam a adoção permanente de quaisquer tentativas de planejamento global da economia, pois cada empresa cuida de modo exclusivo de seus interesses (maximizar lucros e minimizar custos), relegando para plano secundário o desempenho global da economia. Embora ao longo do século XX o capitalismo tenha evoluído para a concentração de grandes grupos econômicos (trustes, cartéis, etc.), essa formação do monopólio não impediu a concorrência, mas, ao contrário, acirrou-a em escala mundial. Nesse contexto de desequilíbrio entre a oferta e a demanda, os grandes grupos econômicos podem, em curto prazo, reduzir preços a fim de adequá-los à capacidade de consumo do mercado, o que leva à falência micro, pequenas e médias empresas.

A pura e simples adequação da oferta à demanda não interrompe, no entanto, o evoluir da crise, pois:

... quem equipara as crises simplesmente a uma superprodução de mercadorias ignora exatamente o essencial: o caráter capitalista da produção. ”Os produtos não são apenas mercadorias, mas produtos de capital e a superprodução durante a crise não é simplesmente superprodução de mercadorias, mas superprodução de capital. Mas não quer dizer outra coisa, senão que o capital foi investido na produção em tal medida que suas condições de utilização entraram em contradição com suas condições de valorização, de modo que a venda de produtos não rende mais o lucro que torna possível uma expansão e uma acumulação ulteriores 1.

A contradição maior do sistema capitalista vincula-se ao antagonismo entre o caráter social e a apropriação privada da produção.

A apropriação, cada vez maior, dos resultados do trabalho (objetivando maximizar lucros) causa um imenso hiato entre o produto obtido e a capacidade de consumo do mercado. Esse hiato, na medida em que vai se expandindo, determina, de modo inexorável, o advento periódico de crises, cuja eclosão, todavia, pode ser temporariamente adiada com a deflagração de guerras e/ou a transferência dos resultados depressivos para os países subdesenvolvidos e/ou semicoloniais via manipulação dos preços de produtos e serviços do comercio internacional (termos de trocas desfavoráveis aos países da periferia).

Embora a raiz da crise situe-se no antagonismo entre a apropriação privada da produção e o caráter social da mesma, o início, e a aparente gênese da turbulência, situa-se na orgia financeira que antecede a queda dos bancos e do mercado acionário. A imensa margem de recursos gerados na economia capitalista excede, em muito, a demanda dos setores produtivos e dos serviços não financeiros. Assim, na busca da lucratividade e fugindo do entesouramento dos recursos (ociosos), que numa sociedade socialista seriam injetados no consumo, a burguesia e a alta classe média passam a efetuar, de forma desenfreada, aplicações em ações e nos serviços financeiros (derivativos, hedge, etc.), que oferecem lucros inusitados na fase ascendente da orgia financeira, mas extremamente ruinosos quando ocorre o estouro inevitável do mercado especulativo.

A primeira crise estrutural importante do capitalismo na fase imperialista ocorreu em 1873, quando a concentração de empresas determinou a instauração de monopólios e a exportação de capitais excedentes que não encontravam ocupação nas economias centrais. Nesse novo contexto gerador do imperialismo econômico aumentou a diferença entre a produção obtida e a capacidade de aquisição dos bens e serviços oferecidos no mercado. Nessa ocasião, além das empresas inglesas e francesas, entraram no mercado os cartéis da Alemanha unificada e os trustes dos Estados Unidos (fim da guerra civil) cuja oferta somada à produção da Inglaterra e da França ultrapassou em muito a capacidade de consumo do mercado mundial.

Nesse contexto depressivo verificou-se, contraditoriamente, a expansão dos monopólios, principalmente da Alemanha (unificada em 1870) e dos Estados Unidos. A expansão das empresas monopolísticas examinada por Lênin2 ocorreu à custa da ruína das pequenas e médias empresas ainda artesanais e principalmente pelo sacrifício dos trabalhadores e camponeses médios e pobres.

Em plena crise os “trustes” e “cartéis” aplicaram recursos vultosos na construção de ferrovias, portos e instalação de serviços urbanos (água, iluminação, transporte urbano, etc.) usados para o escoamento mais econômico das matérias primas e produtos primários supridos pelos países coloniais e semicoloniais. Esse fluxo de investimentos permitiu que os recursos ociosos nas economias centrais fossem aplicados nos países dependentes, fato que, em plena crise, viabilizou a continuidade dos lucros dos grandes monopólios paralelamente à miséria da maioria dos respectivos povos.

A superação da crise de 1873 foi obtida com desemprego e conseqüente redução dos níveis salariais, surgimento de inovações tecnológicas (vinculadas à energia elétrica) e, fundamentalmente, devido à deflagração de uma série de guerras localizadas pelas potências imperialistas nos países coloniais e semicoloniais. As intervenções na África, China, Oriente Próximo demandaram enormes encomendas ao setor produtivo para a execução das atividades militares de dominação.

A eclosão da Primeira Guerra Mundial constituiu, para os países beligerantes, a saída antecipada para uma grande crise econômica que se avizinhava. Os comandos burgueses das potências imperialistas consideravam imprescindível para evitar a depressão expandir os respectivos domínios coloniais, fato que, obviamente, provocou o choque bélico entre a Alemanha de um lado e a Inglaterra e a França do outro. A alta das encomendas de guerra e a ocupação da mão-de-obra desempregada como “bucha de canhão” foi a solução encontrada pela classe dominante para contornar a crise que ameaçava a propriedade privada dos meios-de-produção.

A conseqüência do conflito mundial gerou, em 1917, a Revolução Russa cujo movimento, no entanto, não conseguiu ter seqüência nas demais nações capitalistas. Em 1918, a burguesia, no plano mundial, encetou o armistício a fim de se precaver contra a revolução socialista nos maiores países capitalista, principalmente na Alemanha, onde já haviam sido instituídos conselhos de operários e soldados que visavam assumir o poder e expropriar a classe dominante, seguindo o exemplo da Revolução Russa. Desse modo, a burguesia, a burocracia estatal e o poderoso exército germânico aceitaram a perda de colônias e de territórios na Europa (Alsácia, Lorena e parte da Polônia), pagar reparações de guerra e destituir o Kaiser, a fim de conter a revolução socialista.

Com a paz, no intervalo de 1918 a 1929, a expansão da economia burguesa, principalmente da norte-americana, foi obtida com o aumento de expropriação da mais-valia vinculada ao crescimento quase que exponencial da tecnologia e da exploração dos países da periferia. Os recursos acumulados nesse processo foram, em grande parte, alocados à especulação do mercado acionário, que culminou com o estouro de uma imensa bolha determinante da quebra da Bolsa de Valores de Nova York em outubro de 1929.

A instauração da crise na então já maior economia capitalista do mundo ocasionou o desemprego de milhões de trabalhadores, contaminando as demais economias do mundo capitalista. Outrossim, nesse quadro depressivo, a perda de valor dos ativos e a exploração desapiedada da mão-de-obra desempregada (aceitando qualquer salário) permitiram o surgimento de novos e poderosos grupos capitalistas.

O exame da gênese das crises efetuado pela maioria dos economistas burgueses não vincula a depressão como decorrência do evoluir das relações de produção do sistema capitalista. Analista mais crítico, John Kenneth Galbreith enfatizou a desenfreada especulação financeira não coibida pelo FED de Nova York como resultado da retração da economia real. Segundo Galbraith:

De acordo com a opinião geral sobre os acontecimentos do outono de 1929 a economia já estava em plena depressão. Em junho, os índices da produção industrial e fabril alcançaram o máximo e caíram. Em outubro, o índice da produção industrial, segundo o Federal Reserve mantinha-se em 117, em comparação com 126 quatro meses antes. A produção de aço declinou a partir de junho, em outubro as cargas ferroviárias caíram. A construção de casas, uma das indústrias mais ativas, vinha caindo e baixou ainda mais em 1929. Finalmente, ruiu o mercado de ações. Um estudioso profundo do comportamento econômico desse período disse que a queda do mercado refletiu principalmente a transformação que já estava evidente na situação industrial”.3

Conforme Lionel Richard4, o número de desempregados em relação à população ativa na Alemanha ascendeu de 14,6% em 1929 para 45% em 1932. Nesse mesmo intervalo, os salários dos trabalhadores que haviam mantido o emprego foram reduzidos em cerca de 30%. Esse quadro depressivo foi explorado pelo populismo de direita, viabilizando o assalto ao poder pelo nazismo.

Na Inglaterra e no resto da Europa Continental (excluída a URSS) ocorreu a mesma conjuntura depressiva, jogando milhões e milhões de trabalhadores na degradação econômica e social.

Paralelamente à crise dos países mais desenvolvidos, as nações latino-americanas supridoras de produtos primários (café, açúcar, trigo, milho, minério, etc.) sofreram com a redução dos preços e das quantidades exportadas, o que gerou quebra da agropecuária e da extração mineral. Estudos efetuados pela CEPAL [Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe da ONU], sob a direção de Raul Prebisch, mostram a tendência secular de queda dos “termos de troca” dos países latino-americanos nas relações comerciais com as nações mais industrializadas, fenômeno que se acentuou ainda mais no período da grande depressão. Dados divulgados pelo “Departament of Commerce” no “Statistical Abstract of The United States” (1965) sobre o período mais agudo da grande depressão (1929 a 1933) mostram uma enorme queda do poder aquisitivo das exportações latino-americanas. Considerando-se 1929 = 100, nos quatro anos de crise mundial, ocorreram as seguintes quedas:

PODER AQUISITIVO DAS EXPORTAÇÕES – 1929 = 100:

Países

1930

1931

1932

1933

Média

30/33

Argentina

67

69

65

58

65

Brasil

67

62

54

59

62

Colômbia

82

80

72

63

74

Cuba

68

57

43

45

53

Chile

62

41

16

25

36

Equador

91

64

68

50

68

El Salvador

60

67

40

77

61

México

63

49

35

39

47

Peru

66

48

43

52

52

Venezuela

110

71

74

48

76

 

O recuo muito acentuado do valor das exportações dos países latino-americanos resultou tanto do retraimento da procura mundial de produtos primários, como devido à elevação de barreiras comerciais nos Estados Unidos e na Europa. A queda dos produtos latino-americanos exportados foi bem maior do que a das importações de bens industrializados por estes países.

Nesse quadro de depressão internacional, a União Soviética foi à única nação em todo o mundo que não sofreu os efeitos da crise em função de sua economia não se basear na propriedade privada dos meios de produção, o que possibilitou a implantação e execução do planejamento centralizado. Nas demais nações o impasse entre a propriedade privada geradora da acumulação de lucros, via elevação da taxa de mais-valia, e a necessidade de distribuição da renda para o aquecimento do consumo foi equacionado de forma insuficiente seguindo a receita de Keynes para salvar o capitalismo, na qual propunha, ao contrário da escola clássica, a intervenção dos investimentos estatais para estimular o consumo.

Reconhecendo a falência do axioma sobre o equilíbrio entre a oferta e a demanda, Keynes, no entanto, em função da defesa da burguesia, não aprofundou a análise da contradição intrínseca do sistema capitalista: apropriação privada X produção social.

John Eaton, no prefacio à edição de sua obra “Marx Contra Keynes”, mostra que:

... os pontos fundamentais para a crítica da teoria keynesiana são, creio, os seguintes: primeiro a sua atitude incorreta em face da questão do poder de classe e do modo de encarar o Estado como se estivesse acima das classes; segundo, o seu completo desprezo de toda a questão do imperialismo. Este segundo defeito se relaciona muito estreitamento ao primeiro de vez que o fato de não tratar do imperialismo deveria de não reconhecer que a base econômica do imperialismo é o capitalismo monopólico que, por meio do poder econômico, veio a dominar a vida social e política dos principais países capitalistas. Em terceiro lugar, a teoria keynesiana despreza a anarquia da produção capitalista exceto entre os gastos e inversões e os gastos em consumo relacionados aos recursos produtivos globais”.5

Desse modo, sem tocar na contradição básica da economia capitalista, as soluções Keynesianas (TVA nos Estados Unidos, expansão da indústria bélica na Alemanha nazista) não foram, nem poderiam ser, totalmente suficientes para acabar com a grande crise. A saída burguesa foi à imensa chacina da Segunda Guerra Mundial que ceifou a vida de mais de cinquenta milhões de pessoas, principalmente de jovens, em todo o mundo.

CoronelMotors.jpg

Coronel Motors - Delcio/2009 www.mistofrio.com

Finda a segunda guerra, a economia norte-americana, cujo território não sofreu quaisquer destruições, firmou-se, ainda mais, como a maior potencia capitalista do mundo, confrontada, apenas, pela União Soviética, que havia sofrido a incomensurável destruição da invasão nazista, com a qual contribuiu de forma decisiva para a derrota do Eixo com a perda de mais de vinte e cinco milhões de pessoas e a destruição de grande parte dos combinados industriais e dos equipamentos de uso residencial e social.

No após guerra, a economia capitalista mundial (principalmente Europa Ocidental) obteve, salvo pequenas crises logo superadas, um desenvolvimento ascendente, cujos resultados concentraram ainda mais a economia dos países desenvolvidos e castigaram as nações subdesenvolvidas e as colônias e semicolônias. A perda nas relações de intercambio dos países periféricos estudada pelas equipes econômicas da ONU e do CEPAL, a taxa de juros elevada, os royalties excessivos, as barreiras alfandegárias nos Estados Unidos permitiram que os processos recessivos das grandes potências fossem deslocados para as economias periféricas.

O quadro de exploração tanto da mão-de-obra como dos países subdesenvolvidos e das colônias e semicolônias foi, até início da década de setenta, contestado apenas pela URSS e países de economia planificada não capitalista. A partir de outubro de 1973, com a explosão dos preços do petróleo que saltaram de US$ 3,00 / barril para atingir US$ 30,00 / barril no início dos anos oitenta. Verificou-se uma escalada inflacionária de preços e custos, concomitante com a queda do consumo, o que gerou um processo inédito denominado “estagflação”.

Os efeitos depressivos deflagrados pela segunda alta do petróleo foram, em grande parte, transferidos principalmente dos Estados Unidos para os países da periferia. Na ocasião, os preços do petróleo e dos bens industrializados foram elevados em proporção bem maior em relação aos aumentos dos produtos primários (agropecuários e minerais). Essas diferenças de preços no mercado externo determinaram a emergência de “déficits” nas contas externas dos países subdesenvolvidos e do bloco vinculado à ex-URSS, os quais tiveram que apelar para empréstimos a fim de cobrir os rombos das respectivas balanças de comércio.

Os empréstimos dos bancos norte-americanos, Clube de Paris e FMI foram concebidos com taxas de juros e de spread muito elevadas, o que provocou uma expansão em cascata da dívida externa desses países. Em 1980 a prime média atingiu 15,21% e a líbor, 13,98%, com picos que alcançaram mais de 20% acrescidos de spreads muito elevados para os tomadores mais endividados. No caso do Brasil, a dívida externa saltou de US$ 43,5 bilhões em 1978, para US$ 121,2 bilhões em 1987, o que, simulando-se por hipótese uma taxa de juros compatível (5% ao ano), significou uma sangria adicional, absorvida pelos bancos norte-americanos e pelo Clube de Paris, de cerca de US$ 66,6 bilhões. Esse processo perverso ocorreu em quase toda América Latina, África, e Ásia (excluídos Japão e Tigres Asiáticos).

Os recursos excedentes dos denominados serviços da dívida (juros, seguros + spreads), somados às perdas nos “termos de troca” dos países subdesenvolvidos, aliviaram o impacto da crise nas potências imperialistas e, de modo inverso, aumentaram o empobrecimento dos subdesenvolvidos o que, em seguida, afetou a economia dos países do Leste Europeu.

Naquela conjuntura depressiva, as nações capitalistas mais ricas, além de contornarem a crise transferindo-a para os países pobres, intensificaram, através do avanço exponencial da tecnologia, a substituição do trabalho humano pelo emprego de máquinas e equipamentos sem alterar salários e horário das jornadas. Paralelamente, o emprego do “Just in time” (reduzindo em quase 100% o nível dos estoques) junto com o menor gasto com mão-de-obra e diminuição nos preços relativos dos produtos primários permitiram, mesmo com a queda na produção, o aumento dos lucros dos bancos e das grandes empresas multinacionais.

De acordo com Eric Hobsbawn:

... na África, na Ásia Ocidental e na América Latina cessou o crescimento do PIB per capita. A maioria das pessoas na verdade se tornou mais pobre na década de 1980, e a produção caiu durante a maior parte dos anos da década nas duas primeiras dessas regiões e, por alguns anos na última (US World Economic Sarvey PP oito e 26)”.6

Nos anos oitenta e noventa, com a queda da URSS, o sistema capitalista não sofreu mais a contestação, embora que burocrática e deformada das forças dirigidas pelo movimento comunista internacional, já que as demais formações de esquerda não possuíam, então, capacidade suficiente para se opor à ofensiva neoliberal. Essa folga obtida pelo capitalismo, em sua fase neoliberal, inicialmente na Inglaterra e nos Estados Unidos, migrou, em seguida, para a Europa Ocidental, descartando em escala mundial a regulamentação dos direitos e benefícios sociais conquistados pelos trabalhadores após a Segunda Guerra Mundial.

Aqueles direitos e benefícios sociais obtidos pelos trabalhadores constituíram um antídoto oposto à revolução socialista aplicados pela social-democracia com plena anuência de parte ponderável das camadas burguesas e dirigentes do aparelho estatal burguês. Nesse contexto, a desagregação do movimento comunista permitiu a derrubada das melhorias salariais, da estabilidade nos empregos, das aposentadorias compatíveis com os salários de ativa, viabilizando a imposição da queda da remuneração dos trabalhadores e das aposentadorias e precariedade dos empregos, instaurando-se assim a derrubada dos benefícios sociais do Estado nas áreas da saúde e ensino, transferidos à iniciativa privada.

A transferência de atividades tradicionalmente executadas pelo Estado alocou à iniciativa privada funções estatais nos segmentos econômicos e sociais lucrativos. Esse movimento da política neoliberal iniciou um processo no qual a própria classe dominante passou a executar a função até então delegada aos políticos, seus representantes. Nas áreas de saúde, educação e seguridade social o aparato estatal foi desmantelado, o que viabilizou novas fontes de lucro para a burguesia e, em contrapartida, substancial queda do poder de compra dos assalariados.

Obviamente, com a migração para o capitalismo de maior parcela dirigente da burocracia na troca do confisco do patrimônio social e a conseqüente queda do Estado soviético, verificou-se uma imediata desarticulação do movimento comunista mundial, com reflexos redutores na luta de classes no plano internacional.

Dessa forma, não necessitando mais do “estado do bem-estar social” a classe dominante nos Estados Unidos e na Inglaterra adotou as idéias reacionárias de Milton Friedman e Frederick Hayek em defesa do livre mercado (falácia numa economia monopolística) – controle da inflação à custa da diminuição do consumo, pelo aumento da taxa de juros, extinção de benefícios sociais e minimização dos salários.

Ao mesmo tempo em que os direitos sociais foram descartados, o avanço exponencial da ciência e da tecnologia, principalmente na informática, viabilizou a substituição de uma grande parcela do trabalho humano pelo emprego de equipamentos cada vez mais sofisticados. Essa nova variável determinou uma brusca diminuição da ocupação dos assalariados, já que foi implementada sem a correspondente redução das horas de trabalho, como havia ocorrido com a Revolução Industrial.

Além do impacto redutor da tecnologia no emprego do fator trabalho, uma parcela considerável das grandes corporações norte-americanas instalou fábricas no México (maquiadoras) e, principalmente, na China objetivando reduzir custos com mão-de-obra e obter maior inserção no mercado local e competir com empresas concorrentes no próprio mercado norte-americano.

O somatório do declínio do emprego (impacto da tecnologia) com a queda dos níveis salariais afetou negativamente a procura global no mercado, fato que “contingenciou” a oferta de bens de consumo e direcionou os imensos lucros da classe dominante para a especulação financeira e os gastos militares. Na década de noventa e início do século XXI, as intervenções militares, de forma direta e/ou indireta dos Estados Unidos e da OTAN nos países da ex-Iuguslávia e no Oriente Médio, chegaram a computar dispêndios de mais de US$ 500 bilhões anuais no orçamento fiscal norte-americano.

No final da década de noventa (outubro de 1997) ocorreu o crack da Bolsa de Valores de Hong-Kong, cujas perdas acumularam 25% numa semana no valor dos ativos das ações. Essa queda repercutiu imediatamente no mercado acionário mundial. A causa mais imediata do estouro foi a alta de 300% nas taxas de juros interbancárias decretada pelo Banco Central de Hong-Kong.

De acordo com Aluísio P. Bevilaqua:

... o súbito excesso de procura por empréstimos bancários, que levou o HKMA a aumentar astronomicamente a taxa de juros, resultou, por sua vez, do processo iniciado na Tailândia ao desvincular o baht do dólar, desvalorizando-o em 22%, em 2 de julho de 1997, seguido por outros países, na Ásia e Europa: o peso filipino caiu 8%, a rúpia da Indonésia e o glotig polonês 7% e o dracma grego 6,5%. Todos envolvidos numa mesma política cambial fixa ao dólar, moedas sobrevalorizadas, déficit crescente no balanço de pagamentos, perdas das reservas, aperto monetário (taxas de juros altas) e dívidas a curto prazo vencendo. Com isso cresceu a insolvência e, com ela, a demanda por liquidez impulsionando a contração do crédito, através da alta ainda maior de juros. “Por um lado, isto acarretou no aumento da dívida interna e externa e, por outro, a queda dos preços das mercadorias e ativos em ações nas bolsa.”.7

A desvairada especulação comandada pelos fundos de Hedge, com recursos captados em todo o mundo (principalmente dos fundos de pensão norte-americanos), constituiu ainda, conforme Aluísio P. Bevilaqua, a centelha que explodiu a crise em Hong-Kong, ou seja, apenas a consequência da lógica do processo originário na contradição básica do capitalismo: apropriação privada X produção social.

A presente crise do sistema capitalista mundial decorre da imensa acumulação de lucros gerada pela cada vez maior taxa de expropriação de “mais-valia”. Essa massa imensa de renda formada tanto em função do “arrocho” salarial e da redução dos gastos sociais, bem como devido ao emprego de novas tecnologias de ponta, poupadoras de mão-de-obra, ultrapassa a demanda de investimentos na produção (industrial e agrícola) e nos serviços não financeiros, circunstância que direciona os recursos ociosos, calculados, no inicio da crise, em cerca de US$ 600 trilhões, para a especulação financeira, conforme o Banco de Compensações Internacionais - BIS. A parcela total desses recursos advém da própria especulação financeira descolada da economia real, sem quaisquer vinculações com o trabalho humano: dinheiro exclusivamente eletrônico.

Esse processo especulativo apresentou sua primeira manifestação crítica com a eclosão da crise mexicana, quando começou a apresentar sintomas de rápida desagregação face à queda da massa salarial, principalmente nos denominados países emergentes e no quarto mundo.

A descomunal acumulação de lucros não encontrando pleno emprego nas atividades produtivas e nos serviços não financeiros dos países emergentes (Brasil, México, Argentina, Coréia do Sul, Hong-Kong, África do Sul, etc..), enquadrados, com a conivência de suas burguesias, no modelo neoliberal, que disputavam a preferência dessas aplicações de capital de curto e curtíssimo prazo, oferecendo taxas de juros competitivas e extremamente altas para o ingresso desses capitais predatórios. Paralelamente, os governos destes países instituíram a estabilidade de suas moedas, obtida, principalmente, pela redução do consumo interno (via arrocho salarial) e por uma taxa de câmbio valorizada artificialmente. A valorização artificial da taxa cambial, somada à queda das barreiras alfandegárias e fiscais para as importações, determinou um recuo da produção interna dos países emergentes, que perderam a capacidade de competição tanto no mercado externo, como no interno.

A agregação desse conjunto de medidas neoliberais vulnerabilizou sobremaneira a resistência das referidas economias aos ataques do capital especulativo, fenômeno que, independente de razões peculiares de cada país, vem ocorrendo no Sudoeste Asiático, na Coréia do Sul e, com maior virulência na Rússia. A declaração da moratória russa causou um “mico” de cerca de US$ 80 bilhões aos investidores alemães e os efeitos dessa crise já começam a se disseminar nas economias centrais e nos países latino-americanos, conforme mostra a fuga de US$ 35 bilhões das aplicações no Brasil quando da quebra da Rússia.

Os antecedentes da atual crise remontam aos resultados negativos da economia norte-americana, no intervalo de março a setembro de 2001, quando ocorreu um processo recessivo das atividades produtivas e, por via de conseqüência, do conjunto dos serviços, notadamente do setor financeiro induzia a crise. Com os atentados de setembro, o governo Bush encontrou a válvula de escape para contornar a queda da economia através de encomendas de guerra ao setor industrial, da alocação de empresas prestadoras de serviços e do emprego de mão-de-obra desempregada nas atividades militares, além de objetivar o controle do petróleo iraquiano (2º produtor da OPEP) e impor o domínio econômico e político na região (em aliança com Israel).

A invasão do Iraque sob falso pretexto não obteve o sucesso militar pretendido pelo governo Bush e, por outro lado, desequilibrou as contas fiscais e do balanço do pagamento que acumulou fatores inflacionários na economia.

Os gastos militares acumularam sucessivos déficits na execução fiscal norte-americana nos oito anos de Bush. Parcela desse déficit foi coberta com o aumento quase que exponencial da dívida pública, cujo montante ascendeu para US$ 10.877 bilhões em fevereiro do ano corrente. Compensando ilusoriamente o rombo fiscal, vem se verificando um fluxo de aplicações de recursos originários principalmente da China, mas também do Japão e da Coréia do Sul em letras do Tesouro dos Estados Unidos.

As encomendas governamentais nos Estados Unidos, decorrentes das operações militares, principalmente a partir de 2001, atuaram como fator de reversão do processo recessivo que vinha afetando a economia norte-americana desde maio do referido ano. As sucessivas invasões do Afeganistão e do Iraque, além de atuarem na contenção da crise, objetivaram também o domínio do petróleo e o cerco econômico e militar da Rússia e do Irã.

Na aparência, as crises (a atual e as anteriores) derivam, de maneira prevalente, do funcionamento impróprio do sistema financeiro. Essa interpretação, de modo consciente ou inconsciente, esconde a natureza do capitalismo em quaisquer de suas formas de governo (liberais, socialdemocratas ou neoliberais). A crise, como já foi acentuada, decorre da incompatibilidade entre a apropriação privada e a produção social.

A partir das intervenções no Afeganistão e, logo em seguida, no Iraque (sob falso pretexto de arsenal atômico neste país), a execução orçamentária norte-americana passou a apresentar “déficits” que atingiram US$1.750 bilhões no ano fiscal de 2007/2008. Esse rombo orçamentário decorreu dos dispêndios de US$ 700 bilhões com operações de defesa, principalmente com a guerra.

A fim de reaquecer as atividades, o governo Bush, de forma paralela às encomendas militares, reduziu a taxa de juros abaixo dos índices de preços, o que permitiu a viabilização das hipotecas “subprime”, títulos sem quaisquer garantias de resgate. Esses títulos “podres” tornaram-se a base de uma orgia financeira que multiplicou empréstimos em cascata, num processo que se expandia, à revelia das condições reais da economia, uma tendência consumista muito acima do poder de compra dos consumidores.

A jogatina financeira (condição inerente ao capitalismo) contaminou as demais economias desenvolvidas (União Européia, Japão, Coréia do Sul, Austrália, etc.) e também os denominados países em desenvolvimento, fato que, com o estouro da inadimplência, afetou todo o mundo.

A ênfase nas hipotecas “subprime” adveio do altíssimo volume de dinheiro gerado pela concentração da renda (aumento da taxa de mais-valia), cujos detentores, despidos de quaisquer resquícios éticos, demandam de forma permanente aplicações financeiras a fim de evitar a ociosidade de seus recursos financeiros. No período até meados de 2005 de euforia histérica das “subprimes” os preços das casas, em termos reais, experimentaram uma expansão inusitada (semelhante à alta das ações antes do estouro da bolsa em outubro de 1929) que atraiu ganância das aplicações financeiras.

O aumento do consumo acima da variação do PIB e o rombo das contas fiscais começaram a exercer pressões inflacionárias na economia norte-americana, cujo impacto condicionou que o FED elevasse a taxa de juros de 1% em 2004, para 5,75% em agosto de 2007. Essa mudança na política monetária determinou o estouro da inadimplência das “subprimes” e, por via de conseqüência, a queda no preço das casas, causando redução no valor de mercado abaixo dos débitos dos tomadores de empréstimo.

A deflagração, em agosto de 2007, da imensa bolha do mercado de “subprimes” iniciou uma irreparável turbulência no mercado financeiro norte-americano, com reflexos no resto do mundo. Então, a incapacidade dos devedores de pagar as hipotecas gerou mais de 900 mil liquidações de 573 mil imóveis no primeiro semestre de 2007, gerando quebra de empresas imobiliárias e “déficits” no sistema bancário.

Paralelamente à crise das “subprimes”, uma parcela considerável dos grandes monopólios norte-americanos migrou seus investimentos para os países em desenvolvimentos, principalmente para a China, onde os custos bem menores com mão-de-obra e encargos tributários, com incentivos fiscais, compensaram os gastos com transportes de seus produtos para o próprio mercado norte-americano. No cômputo das importações dos Estados Unidos o fluxo advindo da China alcançou em 2007: US$321,5 bilhões, superando as compras no Canadá (US$313,1 bilhões), no México (US$210,8 bilhões) e Japão (US$145,5 bilhões). A maior parcela das importações de produtos chineses advém de empresas norte-americanas sediadas na China.

A instalação de empresas norte-americanas na China estimulou, de modo superlativo em relação ao Japão e à Coréia do Sul, um fluxo de aplicações chinesas em letras do Tesouro dos Estados Unidos. Esses recursos estrangeiros depositados em títulos públicos e mesmo em contas bancárias, quando originários da China, têm como objetivo a conquista do mercado norte-americano e podem, conforme as alternâncias conjunturais, refluir, o que provocará mais uma sucessão de quebras na economia dos Estados Unidos. Durante um longo período, o governo dos Estados Unidos, a despeito das reclamações de um segmento de fabricantes domésticos, apoiou a instalação de filiais de empresas americanas na China como meio de inflar a oferta de bens a fim de reduzir a curva inflacionária pressionada pelo “déficit” fiscal.

O desempenho da economia chinesa, alavancado até então pelas compras norte-americanas, com a queda do consumo nos Estados Unidos a partir do segundo semestre do ano passado, começou a sofrer uma sensível redução que se refletiu na demanda de “commodities” e matérias primas dos países em desenvolvimento. As cotações de soja, minério de ferro, petróleo, minérios não-ferrosos, celulose, e outros produtos que haviam, até setembro de 2008, ascendido de forma exponencial sofreram, a partir de então, a despeito de pequenos piques, quedas muito acentuadas que impactaram negativamente as balanças comerciais dos países supridores desses produtos, o que caracterizou a transferência da crise norte-americana para os produtores destas “commodities” e matérias primas, inclusive para o Brasil.

Os próprios economistas burgueses estimam que a atual crise começa a se assemelhar com a “grande depressão” dos anos trinta. E calculam, em média, um intervalo de cerca de mais de três anos para recuperação da economia mundial. Segundo esses economistas o atual “pacote” da administração Obama, (US$789 bilhões aprovados pelo Congresso) somado às vultosas injeções de US$ 3 trilhões para salvar o Citigroup, o Bank of America e as seguradoras hipotecárias Fannie Mae e Freddie Mae, não serão suficientes para reativar a economia norte-americana. Em julho do ano passado, antes do estouro de agosto, Paul Krugman afirmava: “Estou certo que já estamos em depressão”, enquanto em janeiro último o Professor Nouriel Roubini declarou: “... que os prejuízos com crédito das instituições norte-americanas poderão chegar ao seu piso no nível de US$3,6 trilhões, metade dos quais seriam perdas dos bancos e das corretoras credenciadas.”

A implosão da economia norte-americana (mais de ¼ do PIB mundial) contaminou todo o sistema capitalista internacional, tanto nos países desenvolvidos como nos demais subdesenvolvidos e em desenvolvimento. As estimativas do FMI calculam que o PIB das nações desenvolvidas em 2007/2008, atingiu uma taxa de crescimento de apenas 1%, constatando-se, todavia, que a queda das atividades verificou-se com intensidade no segundo semestre do ano passado. A previsão desse Organismo para o corrente ano é uma queda de 2% no PIB total desses países desenvolvidos.

Embora os economistas vinculados à burguesia (monetaristas, neoliberais ou keynesianos) considerem as crises econômicas do sistema capitalista como eventos suscetíveis de serem evitados, ora pelo mecanismo da adequação da demanda à oferta, ou pela intervenção dos investimentos estatais, essas soluções dos receituários liberal e socialdemocrata situam-se na aparência da crise e não atuam sobre a essência da depressão.

A causa básica das crises capitalistas remete à incompatibilidade entre propriedade privada dos meios de produção e a inerente característica social da produção. O capitalista tem como única meta a apropriação do lucro máximo, a ser obtido de qualquer forma, apoiado no planejamento apenas de sua empresa, descartando o comportamento global da economia.

Os projetos de solução das crises sempre objetivaram descarregar sobre os trabalhadores o custo da recuperação, através das demissões e/ou redução dos salários. Na atualidade, com o aumento do emprego da tecnologia, o fator trabalho vem sofrendo uma grande queda de sua participação no PIB, como exemplifica o caso brasileiro: de 65% em 1960, para cerca de 30% na atualidade. A superação desse quadro intermitente de crises econômicas e sociais que reforçam o poder burguês, só poderá ocorrer com a extinção da propriedade privada dos meios-de-produção e o advento de um regime que promova a desalienação do processo produtivo.

 

 

NOTA FINAL

 

A conclusão desse trabalho no início de 2009 não esgota a análise do processo crítico que inevitavelmente afeta a economia capitalista. Muitos acontecimentos ocorrerão nos próximos meses, e mesmo anos, definindo o estágio depressivo da economia mundial.

Conforme foi exposto, o receituário burguês considera que a rearticulação da economia só se efetuará a custa do sacrifício dos trabalhadores; mas, os dirigentes a serviço, e com a anuência da burguesia, poderão apelar para a guerra como tentativa para superação da crise.

Por outro lado o acirramento da luta de classes provocado pela crise vem possibilitando a rearticulação da esquerda, adaptada às novas condições políticas da economia mundial. A diversidade de interpretações face ao impacto do processo objetivo tende a confluir para uma linha programática que permitirá a extinção do capitalismo e instauração do sistema que socialize os meios de produção: o socialismo.

1 Rudolf HILFERDING, O Capital Financeiro, São Paulo, Editora Nova Cultural, 1985, p. 278.

2 V.I. LÊNIN, Imperialismo, Fase Superior do Capitalismo, 2ª ed., São Paulo, Editora Centauro, 2002.

3 John Kenneth GALBRAITH, O Colapso da Bolsa em 1929, Rio de Janeiro, Editora Expressão e Cultura, 1961, p. 127.

4 Lionel RICHARD, A república de Weimar, São Paulo, Editora Companhia das Letras, 1988.

5 John EATON, Marx Contra Keynes, Rio de Janeiro, Editora Fundo de Cultura, 1958, p. 11.

6 Eric HOBSBAWN, A Era dos Extremos, São Paulo, Editora Companhia das Letras, 1995, p. 395.

7 Aluísio P. BEVILAQUA, Crise na Ásia: o tufão e a muralha de papel, Rio de Janeiro, Editora Inverta, 1998, p. 41.